Brasileiros modificam vírus da gripe em teste de vacina contra o novo coronavírus

Foto: Cadu Rolim /Fotoarena/Folhapress

Formas modificadas do vírus da gripe estão sendo empregadas por pesquisadores de Minas Gerais no desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus. Alterado em laboratório, o invasor viral seria incapaz de se multiplicar de forma generalizada nas células, mas teria efeito suficiente para proteger o organismo humano de uma infecção pelo causador da Covid-19.

A abordagem está sendo adotada por pesquisadores do CT-Vacinas, uma parceria entre o braço mineiro da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Já temos dez anos de experiência usando o vírus da gripe como plataforma”, conta Alexandre Machado, do Grupo de Imunologia de Doenças Virais da Fiocruz Minas.

Machado explica que a ideia é produzir o que os especialistas chamam de vírus defectivo. Nessas condições, o parasita infecta algumas células, faz com que elas produzam determinada proteína a partir do material genético que carrega, mas não consegue dar o passo seguinte de seu ciclo, que seria a produção de novas partículas virais e a invasão de mais células.

Mesmo assim, essa infecção, denominada abortiva, já seria o suficiente para desencadear uma reação do sistema imunológico (de defesa) do organismo contra moléculas estranhas típicas do vírus. É aqui que entraria a informação genética do Sars-CoV-2, o novo coronavírus.

No projeto desenvolvido por Machado e seus colegas, o vírus da gripe modificado carregaria um trecho de RNA (a molécula “prima” do DNA) que contém a receita para a produção de parte da chamada proteína S (do inglês “spike”, ou espícula) do coronavírus. Essa espícula é usada pelo vírus para se conectar às células humanas.

Com o material genético correspondente à proteína inserido nas células, elas acabariam produzindo a molécula estranha, o que “ensinaria” o organismo a reagir rapidamente contra o vírus verdadeiro assim que entrasse em contato com ele, produzindo, por exemplo, anticorpos para neutralizá-lo.

Enquanto outras iniciativas para criar vacinas contra o Sars-CoV-2 estão acontecendo a toque de caixa mundo afora, com resultados ainda incertos por utilizarem tecnologias que ainda não chegaram ao mercado, o trabalho do grupo mineiro deve ter uma fase inicial mais longa de trabalho pré-clínico (ou seja, antes de testes em seres humanos), com duração estimada entre um ano e um ano e meio.

“Precisamos ter pé no chão. Estamos recebendo apoio do governo federal, mas não temos bilhões para gastar nisso, ao contrário de uma grande empresa farmacêutica, por exemplo. Além disso, não sabemos o que vai acontecer com esse vírus nos próximos anos. Conseguir se preparar no médio prazo também vai ser importante”, argumenta Machado, que gosta de citar a importância da preparação diante de possíveis ameaças futuras, preconizada pelo general e pensador chinês Sun Tzu (século 6º a.C.), autor de “A Arte da Guerra”.

Além disso, lembra o pesquisador, há o aspecto estratégico de se desenvolver uma estratégia nacional de vacinação contra o coronavírus. Os últimos meses mostraram a dificuldade de conseguir insumos de biotecnologia para testes, e mesmo material mais barato e prosaico, como equipamentos de proteção para profissionais de saúde, nos países que não os produzem em larga escala. “Dificilmente um país, ou poucos países, vão conseguir oferecer uma vacina para o mundo todo, ainda mais numa situação de emergência.”