Nordeste perde nova compra de respirador e tenta reaver R$ 49 milhões

Foto: Instagram/Govba

Os estados do Nordeste tiveram cancelada a segunda tentativa de compra de respiradores necessários para o atendimento de pacientes em estado grave infectados pelo novo coronavírus.

O governo da Bahia, que representou a região no acordo, agora tenta reaver R$ 49 milhões pagos antecipadamente a uma empresa sediada nos Estados Unidos. O valor se referia a 80% do preço de um lote de 600 ventiladores pulmonares.

O representante da empresa norte-americana que assinou contrato com a Bahia já teve o nome envolvido em suspeitas de corrupção, nunca comprovadas, no clube de futebol São Paulo.
A compra dos respiradores feita para os estados do Nordeste visava suprir a primeira tentativa de adquirir o equipamento, frustrada no fim de março. Na ocasião, um carregamento de 600 unidades destinados à região ficou retido no aeroporto de Miami (EUA), onde fazia conexão aérea para ser enviada ao Brasil.

Suspeitou-se na ocasião de que se tratou de um bloqueio por parte do governo norte-americano para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 no país. A embaixada dos Estados Unidos no Brasil nega.

Esse primeiro contrato tinha o valor de R$ 42 milhões, mas o desembolso só ocorreria após a entrega do equipamento, seguindo o cronograma normal da administração pública. Os fabricantes chineses, contudo, passaram a exigir o pagamento à vista para fazer a entrega.

No dia 1º de abril, o governo da Bahia, que preside o consórcio de estados, assinou o contrato com a empresa Ocean 26, sediada na Califórnia. O documento previa a entrega de 600 respiradores até o dia 20 de abril e outros 400 no dia 5 de maio.

O valor unitário cobrado pelo respirador foi de US$ 18 mil –R$ 102,6 mil. O estado pagou antecipadamente 80% do preço do primeiro lote de 600 unidades (R$ 49,2 milhões). O restante seria quitado quando o equipamento fosse embarcado. O governo da Bahia ficaria com metade do carregamento e os demais seriam repassados a estados da região, após reembolso aos cofres de Salvador.

Semanas após a assinatura do contrato, a empresa californiana afirmou que só poderia entregar 100 ventiladores pulmonares e pedia ampliação do prazo até 28 de abril. Alegou que o acordo não poderia ser cumprido totalmente em razão de questões políticas e diplomáticas –o governo norte-americano tem exigido que as empresas do país destinem seus respiradores para lá.

No dia 29 de abril, o secretário de Saúde da Bahia, Fábio Villas-Boas, notificou a empresa sobre o cancelamento do contrato e solicitou o reembolso do adiantamento pago. O valor ainda não foi devolvido.

O caso foi alvo de comentário do secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos, ao falar sobre situação semelhante ocorrida no estado, em que uma empresa não entregou 300 respiradores, embora tenha recebido R$ 9 milhões adiantados.

“O governo da Bahia pagou e não recebeu pelos equipamentos. Parece que [para] uma empresa californiana que nem mais existe”, disse o secretário. Ele expôs, na fala, comentários de importadores de que o governo da Bahia fora alvo de um golpe.

A Ocean 26 Inc. existe, cujos sócios são os mesmos da Ocean 26 LLC, extinta em 2017. O responsável por assinar o contrato com o governo da Bahia foi Jack Banafsheha, descrito no contrato como CEO da empresa. Ele, contudo, não aparece em nenhum dos documentos oficiais da firma no site da Secretaria de Estado da Califórnia.

Nos registros do estado norte-americano, os responsáveis pela firma são Robin, Edmond e David Banafsheha. Este último assinou o contrato com o governo baiano como testemunha.
O nome de Jack Banafsheha esteve envolvido em suspeitas de corrupção no clube de futebol São Paulo e que levou, entre outras razões, à renúncia de Carlos Miguel Aidar da presidência do clube.

Ele era o representante da empresa Far East Global, com sede em Hong Kong, que recebeu R$ 18 milhões como comissão pelo acordo entre o clube e a Under Armour, fornecedora de material esportivo. Alguns conselheiros do São Paulo suspeitavam de que Jack poderia ser um laranja.

O caso chegou a ser analisado pela comissão de ética do São Paulo, que arquivou o caso. O então presidente do Conselho Deliberativo do clube, José Roberto Blum, disse que teve acesso a reconhecimento de firma feito por Jack em Los Angeles, o que confirmaria sua existência.

RESSARCIMENTO

O governo da Bahia disse, em nota, que “já comunicou o distrato em função do não cumprimento do prazo”. “Nada indica que esteja havendo resistência a esta devolução. O fornecedor já solicitou informações –dados bancários– para o devido ressarcimento”, disse a secretaria baiana.

O secretário de Saúde disse ainda que a Ocean 26 foi recomendada por outras empresas após o cancelamento da compra anterior.

“O Estado da Bahia e o Consórcio Nordeste estabeleceram estratégia de comprar de fornecedores diferentes visando justamente previnir-se de compras frustradas num momento de grande concorrência no mercado internacional e de risco elevado de muitas mortes em virtude da não chegada dos equipamentos”, afirmou o governo da Bahia, em nota.

A reportagem não conseguiu localizar representantes da Ocean 26.