O grupo de procuradores da Lava Jato do Paraná anunciou nesta quarta-feira (3) o fim da força-tarefa que atuava na operação desde 2014.
A equipe de trabalho foi dissolvida na última segunda-feira (1º), mas alguns de seus integrantes migraram para o grupo de atuação especial de combate ao crime organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal para dar continuidade às investigações da operação.
A medida é um marco no embate da equipe do Paraná com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que entrou em rota de colisão com o grupo em 2020.
Também é simbólica por representar o fim de uma equipe que chegou a ser decisiva nos rumos da política nacional, mas que perdeu relevância e credibilidade nos últimos anos.
Procuradores afirmam que os Gaecos não estão estruturados para demandas com a complexidade de operações como a Lava Jato.
Os grupos são a principal aposta da PGR (Procuradoria-Geral da República) para assumir investigações de forças-tarefas. Os Gaecos são referências em combate ao crime organizado nos Ministérios Públicos estaduais e foram criados em 2013.
Com a mudança, quatro ex-integrantes da força-tarefa parananese se juntam aos cinco membros do Gaeco no estado, formando um grupo de nove procuradores designados até agosto de 2022. Destes, cinco continuarão atuando na Operação Lava Jato, mas apenas quatro não terão que cumprir obrigações em suas lotações de origem.
Sucessor de Deltan Dallagnol na coordenação do grupo, Alessandro Oliveira é um dos que continuarão no caso. Entre os que já integravam a força-tarefa, estão os procuradores Roberson Pozzobon, Laura Tessler e Luciana Cardoso Bogo.
Outros dez membros da força-tarefa poderão atuar no caso até 1º de outubro de 2021, mas de forma eventual ou em procedimentos específicos.
Além de não terem dedicação exclusiva, eles não farão parte do Gaeco e terão que retornar às suas cidades de origem. Nenhum deles está lotado em Curitiba, cidade que sedia as investigações da Lava Jato.
Em dezembro, logo após Aras prorrogar as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná e no Rio de Janeiro, integrantes das equipes já haviam criticado a medida, alertando para a possibilidade de prejuízos na operação com essa nova forma de estruturar os integrantes da investigação. Assim, o clima já era de insatisfação nos grupos.
No Rio de Janeiro, apesar de não haver previsão de remoção ou acúmulo de funções pelos atuais 12 procuradores do caso, o prazo final imposto por Aras aos trabalhos da força-tarefa, em 31 de janeiro de 2021, foi muito menor do que o solicitado pelo grupo, de um ano.
Crítico à atuação da Lava Jato, Aras já travou diversas quedas de braço com os procuradores, em especial em momentos de prorrogação dos trabalhos.
Em 2020, o procurador-geral participou de um evento virtual com advogados críticos da operação e disse que era necessário que “o lavajatismo” não perdurasse.
Ele ainda afirmou que a equipe de Curitiba mantinha uma “caixa de segredos” e foi ao STF (Supremo Tribunal Federal) para obter cópias do acervo de dados da operação no Paraná.
Internamente, a PGR considera o modelo de forças-tarefas demasiadamente informal e não regulamentado. Também entende que a formação de equipes com procuradores licenciados de suas atividades cotidianas acaba enfraquecendo determinadas Procuradorias que “emprestam” integrantes para esses grupos.
A permanência das equipes dentro da estrutura fixa dos Gaecos, segundo considera a chefia do Ministério Público, garante mais organização aos trabalhos.
O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, Fábio George Cruz Nóbrega, se disse preocupado com a mudança por ver risco de perda de capacidade de investigação na Lava Jato. Afirmou ainda que a exclusividade no trabalho dos procuradores e a estrutura fornecida pelo Ministério Público foram fundamentais para o sucesso da operação iniciada no Paraná.
Deltan Dallagnol, em rede social, também foi crítico à medida e mencionou uma conjuntura “de retrocessos no combate à corrupção”. “Inevitavelmente se ampliará o prazo de investigações e haverá o adiamento de operações, num contexto de mão de obra já insuficiente e em que os resultados dependem da eficiência dos trabalhos.”
As forças-tarefas são equipes temporárias criadas para determinado caso que requer um esforço concentrado de apuração.
Na Lava Jato, a formação ocorreu ainda nas primeiras fases da operação, em 2014, por autorização do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A renovação era feita de maneira periódica.
Ao longo dos anos, parte dos procuradores encerrou seus trabalhos no grupo e voltou para seus cargos originais, e outros assumiram os postos. Deltan Dallagnol, por exemplo, deixou a coordenação em setembro passado citando motivos familiares.
A credibilidade dos integrantes da equipe já havia sofrido um abalo em 2019, quando conversas por aplicativo reveladas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa mostraram colaboração entre o Ministério Público Federal e o ex-juiz Sergio Moro quando ele estava à frente dos casos.
O episódio repercutiu fortemente no Supremo, com críticas de ministros como Gilmar Mendes. Paralelamente, nos últimos dois anos, a corte tomou uma série de medidas contrárias ao interesse de autoridades da operação, como a que barrou a prisão de réus condenados em segunda instância, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na divulgação do fim do formato de força-tarefa, nesta quarta-feira, o grupo paranaense apresentou um longo panorama dos resultados da operação.
“O legado da força-tarefa Lava Jato é inegável e louvável considerando os avanços que tivemos em discutir temas tão importantes e caros à sociedade brasileira”, afirmou o coordenador Alessandro Oliveira, por meio de sua assessoria.
“Porém, ainda há muito trabalho que, nos sendo permitido, oportunizará que a luta de combate à corrupção seja efetivamente revertida em prol da sociedade, seja pela punição de criminosos, pelo retorno de dinheiro público desviado ou pelo compartilhamento de informações que permitem que outros órgãos colaborem nesse descortinamento dos esquemas ilícitos que assolam nosso país há tanto tempo”, completou.
O texto destaca ainda alguns números conquistados em quase sete anos de operação. Até então, 79 fases da Lava Jato foram deflagradas, com milhares de mandados cumpridos. A equipe formulou 130 denúncias contra 533 acusados -pouco mais da metade, condenados.
Foram também propostas 38 ações civis públicas, incluindo ações de improbidade administrativa contra três partidos (PSB, MDB e PP) e um termo de ajuste de conduta firmado.
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