Cientistas reconhecem transmissão de coronavírus pelo ar e reforçam necessidade de máscara

Artigos publicados nos últimos meses engrossaram as evidências de que a transmissão do novo coronavírus pelo ar, não só por gotículas de saliva, é possível e tem um papel maior do que se imaginava inicialmente.

Foto: Roberta Aline

Cada vez mais estudos confirmam a presença do vírus ativo em aerossóis de saliva expelidos por pessoas durante a fala, espirro ou tosse. Aerossóis de saliva são partículas líquidas muito pequenas, mas maiores do que o Sars-Cov-2, e por isso podem carregá-lo pelos ambientes.

Diferentemente das gotículas de saliva maiores, que caem sobre as superfícies em segundos ou poucos minutos pela ação da gravidade, os aerossóis podem permanecer suspensos no ar por algumas horas.

Por isso, os especialistas alertam que o uso de máscara é essencial para barrar o avanço da Covid-19.

Testes feitos por diferentes instituições com máscaras caseiras produzidas com diversos materiais mostram que o equipamento pode oferecer alguma proteção contra gotículas e aerossóis. Elas evitam que uma pessoa infectada espalhe ainda mais o vírus e também funcionam como um bloqueio para reter parte das partículas quando o ar é inalado.

Um artigo publicado em junho por pesquisadores de instituições da Inglaterra na revista científica Emerging Microbes and Infections mostrou que o novo coronavírus pode ser encontrado ativo em aerossóis de saliva artificial por cerca de 90 minutos após a pulverização.

Em um outro artigo publicado no final de junho na revista Science, pesquisadores dos Estados Unidos e da China lembraram que a transmissão pelo ar teve um papel reconhecido no surto de Sars de 2003, causado por um tipo de coronavírus.

“Estudos recentes têm mostrado que além das gotículas, o Sars-Cov-2 também pode ser transmitido por aerossóis. No entanto, muitos países ainda não reconheceram a transmissão pelo ar como um caminho possível para o vírus”, afirmam os pesquisadores no artigo.

De acordo com os cientistas, os aerossóis podem ser inalados e levados até os pulmões. “Para que a sociedade retome suas atividades, medidas desenhadas para reduzir a transmissão pelo ar devem ser implementadas, incluindo o uso universal e regular de máscaras, testagem em massa e isolamento de pessoas infectadas assintomáticas”, continua o texto.

Um outro artigo publicado no mês passado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) indicou que a transmissão pelo ar seria a principal forma de disseminação do novo coronavírus.

Os pesquisadores analisaram o impacto de medidas para conter a pandemia implementadas em Nova York e Itália. De acordo com os resultados publicados, a obrigatoriedade do uso de máscara em locais públicos foi um ponto determinante para moldar a disseminação da doença nesses locais.

Segundo o artigo, a medida teria reduzido o número de novas infecções em cerca de 78 mil na Itália e 66 mil em Nova York entre os meses de abril e maio.

“Usar máscara em lugares públicos é a medida mais efetiva para prevenir a transmissão entre pessoas. Essa prática em conjunto com distanciamento social, quarentena e rastreamento de casos representa a melhor maneira para combater a pandemia de Covid-19”, escrevem os autores do estudo.

Segundo Viviane Alves, microbiologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a hipótese da transmissão pelo ar trazida pelos estudos ajudaria a explicar a rápida transmissão do novo coronavírus.

“Se o vírus estivesse somente nas gotículas maiores de saliva talvez não teríamos uma pandemia. A transmissão por aerossol deve ter um papel mais importante do que imaginamos”, afirma a cientista. “Ainda não sabemos a carga viral necessária para iniciar um infecção, mas sabemos que as microgotículas carregam muitos vírus.”

A Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, não considerou ainda os novos estudos e afirma que a transmissão do Sars-Cov-2 acontece principalmente pelas gotículas de saliva lançadas por pessoas infectadas. As gotículas podem ser diretamente inaladas se o infectado estiver muito próximo ou a contaminação também pode acontecer por rotas de contato, quando o vírus é levado para boca, nariz ou olhos por mãos que tocaram superfícies que continham o vírus ativo.

A OMS diz, em seu site, que a transmissão pelo ar pode acontecer em situações específicas de procedimentos médicos nos quais os profissionais de saúde ficam muito próximos dos pacientes da Covid-19, como no momento da intubação para respiração mecânica.

No documento mais recente da OMS sobre máscaras, a organização afirma que não há evidências que dão suporte ao uso da cobertura facial por toda a população para prevenir o contágio do novo coronavírus, mas encoraja o uso da proteção em locais públicos e de uso compartilhado, como igrejas e escritórios.

O Ministério da Saúde reconhece a transmissão do novo coronavírus por gotículas de saliva e superfícies contaminadas, seguindo a OMS. A pasta também orienta os brasileiros a usarem máscaras de tecido quando saírem de casa.

De acordo com o jornal americano The New York Times um grupo de mais de 200 cientistas de 32 países deve publicar uma carta aberta direcionada à OMS pedindo que a organização revise suas recomendações com relação ao uso das máscaras. A intenção seria pressionar a agência para que ela amplie o apoio ao uso da proteção facial durante a pandemia.

A transmissão por aerossol faz aumentar as preocupações sobre a reabertura de espaços públicos, principalmente ambientes fechados, onde a circulação de ar é restrita. Em um pré-print publicado por pesquisadores da China em abril deste ano os cientistas afirmam que o compartilhamento de espaços fechados é de alto risco para a infeção pelo Sars-cov-2.

Os pesquisadores analisaram mais de 300 relatos de contaminação que envolveram três ou mais infectados, e todos eles aconteceram em ambientes internos. O artigo ainda não foi revisado por outros cientistas.

Para Viviane Alves, da UFMG, alguns cuidados em lugares como escritórios são indispensáveis, como distância de 2 metros entre as pessoas, janelas abertas para permitir a circulação do ar, uso de máscara por todos e equipamentos individuais auxiliam na prevenção do contágio. Superfícies que são muito tocadas, como maçanetas e botões de elevador, devem ser higienizadas constantemente, diz a cientista.


Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultora da SBI, lembra que é preciso estar atento para o uso adequado da máscara. Ela deve cobrir boca e nariz e estar ajustada no rosto, sem frestas. “Precisamos esclarecer melhor como a máscara deve ser usada e qual o seu papel. Ela não é só um impeditivo para entrar no ônibus ou no comércio”, conclui.