O meu passado não me serve mais

Eiii! O que que você tá fazendo? Essa roupa aí não cabe mais em você não! Ah, você gosta dela? Senta aí e me escuta.

Tem uma música do Belchior, da qual eu gosto muito, cujos versos dizem o seguinte: “o passado é uma roupa que não me serve mais”. Eu gosto muito desses versos, (especificamente desses versos), porque todas as vezes em que eu tento caber em uma roupa que já não me serve mais, eu me frustro de alguma forma. Ou porque eu não vou mais conseguir aproveitar aquela roupa, a menos que eu tente fazer esforço tremendo, ou porque eu simplesmente emagreci demais, e ali está sobrando pano, e aquela peça já se tornou demais pra mim? A vida real é mais ou menos isso.

Outro dia, o meu passado bateu na minha porta, questionando as minhas escolhas. Bom, eu já não caibo mais naquele meu passado. O que foi passado, está passado do ponto, estragado. É uma velha fotografia, num velho álbum, ou é uma foto que está aí, flutuando pelas nuvens de memória do meu celular, daquelas que a gente sabe que um dia tirou e esqueceu que ainda existe, mas só se dá conta quando ela reaparece, simplesmente, por acaso, quando nem era ela que a gente estava procurando. Estava procurando outra coisa, e ela aparece ali, de intrusa. E aí, só aí, você vai relembrar que dia tirou aquela foto. Agora imagina só: passado… bater na sua porta… e esperar encontrar aquilo que foi abandonado há tantos anos? Ridículo, engraçado, patético! Esse passado aí é uma roupa na qual eu mesma não quero caber mais. Está fora de moda, e, se voltar, eu vou fingir que é que nem a saia balonê, que juram que está voltando com tudo, mas eu nem cogito comprar.

Mas é bom lembrar que o passado é a construção da nossa história. Nossa ancestralidade, as lutas de classes, as batalhas, as invasões, vitórias que amaciaram os sapatos, para que a gente pudesse calçar hoje, sem sentir tantos calos. E olha que ainda houve lutas por especiarias, mas, mesmo assim, tem gente usando o temperinho do amor para temperar a carne. Quanta ingratidão! Depois de tudo que o passado construiu por você? (Isso contém uma autocrítica).

Aliás, encontrei uma amiga recentemente. Ela estava mal, havia terminado uma relação e… adivinha com quem? Com um amor do passado. Uma roupa velha, que ela decidiu reaproveitar. Amor de brechó, um alto bazar. Ela mesma colocou lá para venda e ela mesma catou de volta. Pois é! Eu pedi para ela aplicar a técnica dos ‘15 dias’. Sabe como é? Experimenta passar assim uns quinze dias longe, sem ter contato. Bloqueia os amigos, bloqueia quem te traz informações sobre essa pessoa! “Ai amiga, mas é a minha mãe quem traz informações sobre ele”. Bloqueia a mãe, ora! Para de dificultar as soluções que eu tô te dando! Ela aguentou 18 dias. Perguntei logo qual era o dia do ciclo dela e eu sabia! Adivinhei: ela tava ovulando! Amiga, isso nem é saudade – são hormônios. Amiga, isso não é solidão – é abstinência. Amiga, ele nem é tudo isso – ele é uma droga. Como toda droga, te causou abstinência. Amiga, você está dependente?

Aquela pecinha de roupa que você compra e vira a única que você quer usar? E ele nem é um jeans básico, com camiseta branca, do tipo que você coloca uns acessórios e sai por aí, arrasando. Ele é, no máximo, uma legging surrada. Quebra galho, mas não te deixa mostrar todo o teu potencial. Acho que você me entende. Existe uma razão para o teu look do passado estar no passado. Se fosse bom, ainda faria parte do seu closet. Eu não sei você, mas eu prometi para o meu passado que o meu futuro seria com alguém muito mais presente. Aquele look básico, sabe? Que vai servir para todas as ocasiões. “Ah, eu quero ir à praia”. Serve! “Ah, hoje eu estou com vontade de ir ao cinema”. Serve! “Talvez, seja melhor passar esse domingo morgando, pedindo delivery”. Serve! “Eu tenho que ir a velório”. Serve! E eu só vou incrementar aí com acessórios, sapatos, penteados.

Amiga, não tente caber numa roupa que não lhe serve. Que é bonitinha, é fashion, todo mundo elogia, mas que não te deixa respirar. Que marca seu corpo, que te faz passar vergonha, porque tem algum defeitinho aí que nem você e nem a sociedade perdoam. Que é super Instagramável e te faz receber várias curtidas, mas, que, na vida real, te sufoca, não te permite ser você mesma e que, quando você procura, não acha, porque tá por aí perdida no mundo, sabe? Você só vai encontrar depois, quando você já nem quer mais usar. É difícil, eu sei que é difícil, mas, você vai conseguir desapegar dessa peça velha aí! Você vai mudar seu closet! No começo, você vai achar ruim. É tipo quando a gente começa a academia e acha que não vai evoluir nas cargas, mas, quando você se dá conta, já vai achando graça da carguinha que você pegava lá no início e já tá precisando se endividar para comprar roupas novas, porque as que você tem já nem servem mais ou não têm mais nada a ver com a personalidade que você tem agora? Pois é!

Então, experimenta passear pelas lojas. Experimenta um look novo, olha para tua imagem refletida no espelho! E, por favor, estuda metáfora, para entender que esse texto nunca foi sobre roupas…