Vamos fazer um exercício simples! Enquanto você ouve este episódio, abra sua lista de seguidores e de seguidos nas suas redes sociais e me diga: quantas dessas pessoas você realmente conhece? Não precisa ter pressa. Quero que isso faça barulho na sua mente, por um bom tempo.
Quando o falecido Orkut surgiu, lá no início dos anos 2000, precisávamos receber um link por e-mail para criarmos a nossa própria página. Nada de páginas pessoais de crianças, bichos ou ultrassonografias de bebês que ainda nem nasceram. A gente conhecia as pessoas pelas comunidades das quais elas participavam e escolhia se permaneceria ali. Todo mundo era menos chato e não havia urgência em ter que visualizar qualquer scrap que deixassem para nós (para quem não sabe, scrap era como nós chamávamos os recadinhos que deixavam na nossa página do Orkut).
Ainda no Orkut, tínhamos um número limitado de fotos a serem postadas. Só podíamos postar até 12, o que significava que tínhamos de escolher muito bem, quais seriam as privilegiadas. Mas o tempo passou, hoje sinto-me vigiada por todos os cantos. Eu penso mil vezes antes de postar qualquer foto, principalmente, aquelas de biquíni ou tomando uma cervejinha por aí, que nem aparecem por lá pelas minhas redes sociais. Eu já não tenho mais nem liberdade para curtir o que quero – as pessoas têm acesso até as minhas curtidas. Que absurdo! Eu estou online, mas eu não estou processando.
Mas o tempo passou, hoje sinto-me vigiada por todos os cantos.
O mundo moderno nos obriga a viver conectados. É preciso que eu produza muito, mas que também esteja sempre ligada a grupos de apps de mensagens, dos quais eu nem queria fazer parte. Um monte de profissionais capacitados e competentes gravam vídeos, fazendo dancinhas, caras e bocas, apontando para todos os cantos do vídeo, com mensagens altamente mal-pontuadas e, muitas vezes, inverídicas. A competência sendo medida pelo número de seguidores, a publicidade sendo derrubada pela permuta e, como se não bastasse, a necessidade de silenciar gente que, com certeza, se não fez um fake, recebe um print da publicação que você não gostaria que ela recebesse.
Na era digital, a paquera começa com um foguinho, enviado como reação aos seus stories. Essa mesma paquera é sustentada pela troca de memes. A demora na visualização é sinal de que algo vai mal. O não recebimento de memes é quase um divorcio. O deixar de seguir mútuo, é o fim da relação. Os próprios sites de fofocas já publicam suas especulações com prints fresquinhos da busca e descoberta. Muita falta do que fazer!
Lembro-me de uma amiga que relacionou, recentemente, com rapaz mais jovem. Tudo começou com um foguinho; uma reação na sua página; uma cantada. Essa reação gerou três fotos curtidas, aí, o recado já estava dado! Na noite daquele mesmo dia, ela chutou a solidão para o banco de reserva. A frase “eu nunca vou me arrepender de ter reagido aos seus stories”, era um sinal de que estava valendo a pena. Não demorou para que a linguagem já amor fosse a troca de memes diária. Quando ele já não a queria mais, os memes encontraram caminho apenas de ida, num eterno monólogo que culminou em um “eu deveria ter ignorado a sua reação aos meus stories”. Pois é: deveria!
Tudo começou com um foguinho; uma reação na sua página; uma cantada. Essa reação gerou três fotos curtidas, aí, o recado já estava dado!
O que pode ter acontecido para que aquela relação, que ele fez questão de denominar como “lance”, esfriasse? Alguém mais mídia surgiu na vida dele? Enjoou dos memes, ou achou que eles refletiam uma engraçadinha que não conhecia os limites do humor? De repente, surgiu uma blogueira fitness mais interessante! Alguém mais fashion, com mais seguidores, mais conhecida, ou que, de repente, seria uma maçaneta para seus empreendimentos? Nunca iremos saber, e eu nem quero pensar!
Lá, nas redes sociais, está cheio de gente que só sabe flertar; na hora de chamar pra sair, a coragem desaparece mais rápido que um vídeo de TikTok. Por lá, milhares de apaixonados virtuais, os quais eu conheço pessoalmente, e que, por trás das invejáveis declarações de amor, escondem um caráter para lá de duvidoso. O que é um desfavor para a minha tentativa de voltar a planejar, na minha mente, o meu roteiro de contos de fadas da Disney. A vida roteirizada me enoja. O feed milimetricamente planejado é uma arte que eu não domino. Mas porque eu estou falando de feed? Os jovens nem publicam mais nada lá! Como convivo com adolescentes, claro que perguntei. A justificativa: “não é mais descolado postar no feed”, “é melhor postar só nos stories, que, com vinte e quatro horas somem”.
Quando foi que passamos a nos odiar tanto, a ponto de não querermos mostrar quem somos? Quando foi que a fotografia deixou de ser aliada da memória e virou isso aí que eu nem sequer sei rotular? Nós não nos demos conta disso! E o que falar dos realities? Hoje, não ganha quem conquista o público, ganha quem tem uma boa agência ou bons amigos para fazerem as vezes de um bom publicitário, para, durante o confinamento, usar de estratégias (que antes nós só víamos em período de eleições) nas redes sociais, a fim de tornar campeão, quem muitas vezes, nem era quem o público realmente queria. E assim, vamos construindo uma sociedade de aparências, tornando famosos, quem deveria, na maioria das vezes, ser enterrado no jazigo do anonimato.
Quando foi que passamos a nos odiar tanto, a ponto de não querermos mostrar quem somos? Quando foi que a fotografia deixou de ser aliada da memória e virou isso aí que eu nem sequer sei rotular?
Talvez eu esteja parecendo meio nostálgica, mas eu ainda consigo lembrar de como eu me sentia quando sabia que, no fim do dia, ao chegar em casa, eu poderia só ir conversar com algum amigo de longe, e isso se ele estivesse online. A conversa tinha hora para começar e também para terminar, afinal, a internet não estava nos celulares. Mas foi só ela chegar por lá que passamos a viver confinados e eternamente obrigados a ser conectados. Tudo passou a ser urgente. Você precisa responder imediatamente, confirmar a mensagem recebida, ler uma mensagem que já ficou para trás numa fila de 357 outras. A visualização sem resposta é ofensiva. Se você não responder, recebe uma chamada de áudio ou, pior ainda: de vídeo! Será que não passa pela cabeça de quem me mandou a mensagem que, se eu não respondi, tampouco poderei atender? Meu celular nem vibra, imagina se ele vai tocar. Eu, hein? Deixa a sua mensagem de texto, quando eu puder, respondê-la-eí.
Já que encontrei uma oportunidade para usar a mesóclise, imagina só que esta semana durante uma aula, uma aluna me falou que a mesóclise é feia – para quem não sabe o que é a mesóclise – dá o Google aí! Ora, como ela ousa falar mal da minha colocação pronominal favorita? Feio é escrever mentira na internet, fazer textão, que começa com “o que falar de você, que chegou a tão pouco tempo, mas já tem uma importância absurda na minha vida?” e finaliza com “conta comigo para tudo”. Mas, basta trocar de sala que o “tudo” vira o sinônimo de “só até o final deste ano letivo”. Feio é usar só vírgula e empregar o pobre do ponto final, quando ele nem deve ser empregado, ou, simplesmente, desempregá-lo. Feio é chamar de amigo quem você só conhece pelas redes sociais. A pobre da mesóclise – coitada – não tem nada de feio, e quase nem é empregada, não é colocada em seu devido lugar.
Aliás, falando nisso: nas redes sociais você nem coloca as pessoas no lugar em que elas devem estar! Acredita que certa vez, ouvi um monte de besteirol de uma familiar para me dar uma senha extra, para que eu pudesse levar o meu parceiro a sua festa de aniversário, onde eu provavelmente ficaria deslocada caso fosse sozinha? Eu ouvi tanta coisa, que eu nem me fiz presente. Mas, nas fotos, estavam lá pessoas, às quais ela só foi apresentada nesse dia. Quanta pequenez! De que tamanho é esse cérebro? Quanta frieza! Existe aí um coração? Preferir estranhos, a mim e a minha companhia, que, por sinal, ela conhecia muito bem? Eu não sei aonde estamos indo, mas sei que quanto mais a internet tenta nos aproximar, mais ela afasta os humanos uns dos outros. Estamos conectados, mas, cada vez mais, desligados da realidade. Aceleramos tudo, mas não damos mais a chance do coração acelerar quando toca a nossa música favorita, de surpresa, numa rádio, porque temos streaming para ouvi-la quando bem entendermos. Temos um catálogo com mais de mil filmes, mas não conseguimos parar para assistir a um único, inteiro, só um vídeo de 30 segundos com uma sinopse já basta.
Eu não sei aonde estamos indo, mas sei que quanto mais a internet tenta nos aproximar, mais ela afasta os humanos uns dos outros. Estamos conectados, mas, cada vez mais, desligados da realidade.
E, nessa modernidade toda, a internet fica em cima do muro, equilibrando-se na linha bamba e tênue entre ser vilã ou mocinha do seu próprio universo, enquanto, na verdade, o problema está em nós, que somos o que queremos por lá, que temos a vida que queremos aparentar, que temos o corpo que queremos mostrar, as marcas que queremos ostentar. E no meio disso tudo, só sei que eu quero mesmo é trabalhar, sem ser substituída por um robô, ou ser confrontada por um aluno que tirou nota máxima no vestibular e veio para as redes para vender fórmulas prontas, ensinando aos meus alunos, como é não pensar!
Não me chamem de antiquada, muito menos, de velha. Eu sou só uma eterna apaixonada pelas coisas simples da vida, e que, volta e meia, faz detox das redes para conectar-se e embalar-se na sua própria rede.

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